Um procedimento inédito no País e que pode ser uma esperança para pacientes que estão na fila à espera de um transplante de rim foi realizado com sucesso no Hospital Samaritano de São Paulo. Trata-se do transplante conhecido como ABO Incompatível, em que o doador e o receptor não possuem o mesmo tipo sanguíneo. A carência de órgãos para transplante é um problema mundial, o que explica a necessidade de se aumentar o número de doadores possíveis.
A técnica inovadora já é utilizada com sucesso há mais de dez anos no Japão - pioneiro no procedimento - nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, foi a primeira vez que especialistas utilizaram o método sob o comando da médica do Centro de Transplante Renal do Hospital Samaritano, Dra. Maria Cristina Ribeiro de Castro.
O transplante renal ABO Incompatível foi realizado em uma paciente de 28 anos que esperava por um órgão desde 2008. A paciente fazia hemodiálise três vezes por semana, é do tipo sanguíneo O e recebeu o rim da mãe, de 63 anos, que possui o tipo A.
Dra. Maria Cristina explica que em geral, em transplante renal, a primeira prova realizada é a checagem da compatibilidade do tipo sanguíneo, que utiliza o mesmo princípio da doação de sangue: tipo O pode doar para qualquer pessoa, mas só recebe O; tipo AB recebe de qualquer pessoa; tipo A só recebe A ou O; e tipo B só recebe de B ou O. Estatísticas apontam que 30-40% dos doadores são recusados já nesse primeiro teste, por apresentarem um grupo de sangue incompatível.
No Japão, o problema era ainda maior porque a morte encefálica não era validada por questões religiosas, e não existia portanto doação de falecidos. Por isso, especialistas japoneses começaram a testar métodos que possibilitassem o transplante renal entre doadores e receptores de tipos sanguíneos diferentes e observaram que é possível se obter resultados semelhantes aos de transplantes ABO compatíveis.
O preparo do transplante ABO incompatível é semelhante ao que já é utilizado em alguns centros brasileiros para pacientes sensibilizados: aqueles que possuem altas taxas de anticorpos contra o sistema HLA. "Toda pessoa tem nas suas células uma série de antígenos que nos identifica. Pacientes que já fizeram outro transplante, ou passaram por transfusões ou gestações, tiveram contato com antígenos de outras pessoas e podem desenvolver anticorpos contra o sistema HLA de potenciais doadores. Essa também é uma condição que impede que o transplante seja feito se esses anticorpos não forem reduzidos", explica.
Existem basicamente dois tipos de tratamento para essas duas condições: a plasmaferese, que consiste em uma filtragem do plasma, retirando os anticorpos; e o uso de medicamentos biológicos que impedem a produção dos mesmos.
Na paciente brasileira, os especialistas, com a parceria do Banco de Sangue do Hospital Samaritano de São Paulo, utilizaram o método de plasmaferese, que é realizado somente no receptor. Foram seis sessões antes do transplante e cinco nas primeiras semanas. "É uma medida para deixar um nível seguro de anticorpos até que os imunossupressores possam agir e que ocorra a natural acomodação aos antígenos do doador."
O transplante foi realizado há três meses. O doador teve alta em três dias e a transplantada em 20 dias. Não ocorreram complicações e a função do rim está excelente. O procedimento integra projeto ligado ao PROADI-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde), do Ministério da Saúde.